(Texto originalmente publicado na plataforma Medium em 02/07/2018)
Ah, o lirismo na dança. A beleza das linhas, a atmosfera emotiva, os casais, a música que sustenta todos esses atributos. Não importa o quanto haja sede por contemporaneidade, a tradição sempre nos arrebata, e é aí onde reside a força do estilo neoclássico. Petrichior (2018) e Instante (2017) enquadram-se nesse caso. A primeira é descrita como uma coreografia para a qual a música de Jóhann Jóhannsson e Wim Mertens é ponto de partida — a coreografia é feita para a música. Muito longe de ser um demérito, o caminho escolhido pelo coreógrafo Thiago Bordin é o mais lógico a se seguir por aquele que possui um bom ouvido: Petrichior se apresenta como uma decodificação competente da linguagem musical para a linguagem corporal da dança. Instante, de Lucas Lima, segue a mesma premissa musical, mas com maior liberdade rítmica. O uso das pontas, figurino nude e ausência de cenário expôem ao máximo o corpo e seu movimento, e nos trazem um instante para o qual parece que a própria técnica do balé clássico foi feita, acrescida apenas de algumas linhas contemporâneas.
Segundo ato em intenso contraste. 14’20’’ (2002), do muito conhecido coreógrafo Jirí Kilián, nos surpreende por mostrar um lado distinto das obras mais populares do coreógrafo — que também caminham frequentemente pelo neoclassicismo. A música eletrônica de Dirk Haubrich foi feita com base nas vozes dos próprios bailarinos da montagem original, outro fato musical importante negligenciado no release da apresentação, como no programa da semana anterior. Parece que as vozes (dos cantores e dos bailarinos) não importam… Mas a voz também é corpo!
Cenicamente, a voz na música soa como uma narração, uma perspectiva mental do que os baliarinos estão executando no palco; é como se tivéssemos acesso à subjetividade do bailarino e da bailarina. Escolha sábia a de gravar a voz dos bailarinos em estúdio, uma vez que estes raramente estão preparados para utilizar a voz em cena. A métrica irregular da música eletrônica, presente em outros momentos, acompanha o ritmo corporal e funciona como uma ponte cinestésica entre bailarinos e plateia: ela desperta em nós fisicamente aqueles movimentos que os bailarinos estão executando.
Em Gnawa (2005), de Nacho Duato, a noite faz uma guinada do tecnológico para o tribal. Inspirada nos elementos da natureza, a obra é predominantemente ágil, de ritmos constantes e bem marcados, um clássico exemplo de dança com a música, como que resgatando uma condição natural de relação entre as duas artes. Porém como já visto na semana passada, não temos como saber pelo programa quem são os compositores da coletânea musical utilizada para as coreografias, pois foge-se do trabalho de pesquisa musical quando a música não é composta especificamente para a dança ou possui uma mescla de artistas que possua mais que dois nomes diferentes.