O prazer de dançar junto com a música. Não importa a época ou o lugar, ele existe, sempre existiu e sempre existirá, e nenhuma arte de vanguarda foi capaz de superá-lo. Digo isso com todo o respeito a John Cage e Merce Cunningham, pois a proposta de independência/interdependência entre música e dança desenvolvida por eles soa ainda mais exótica e fascinante quando se considera o quão natural e enraizado é o seu oposto.
No princípio, era o movimento, e o movimento estava com o som, e o movimento era o som. Ele estava no princípio com o som. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. Embora o movimento sem som seja possível (até certo ponto), não se pode dizer o mesmo do contrário: o som não existe sem movimento, seja o do corpo que vibra um instrumento, seja das partículas de ar que nos chega até os ouvidos, seja o movimento que ocorre dentro dos próprios ouvidos!
O movimento gera o som que, por sua vez, gera o movimento da dança – daquela dança que precisa do som como impulso primário do movimento. A conexão não ocorre por acaso ou por meras convenções culturais, mas – segundo algumas hipóteses da neurociência – pelo fato de música e dança ativarem regiões do cérebro em comum. O cerebelo, que é ativado musicalmente, também é responsável pela coordenação e timing do movimento corporal, e ambas as artes têm uma relação estreita com o sistema de recompensa do cérebro (aquele responsável por nos recompensar as atividades ligadas à sobrevivência com prazer, como alimentação, sexo, e até o uso de drogas). Embora todos não tenhamos o poder da sinestesia, temos ao menos o poder dos neurônios espelho, que transformam o sensorial no motor, e vice versa. A necessidade física de bocejar após ver alguém bocejando é análoga à capacidade de se deduzir uma sonoridade de uma sequência coreográfica em silêncio.
Esse entrelaçamento físico e neurológico entre música e dança, portanto, é o responsável pelo prazer, o prazer do mistério. A complexidade com que as duas artes se interligam é intrigante, é maior do que a nossa percepção consegue apanhar à primeira vista, e por isso aguça os sentidos, nos leva a querer nos mover ouvindo, e ouvir nos movendo. Nos leva a querer experimentar esse entrelaçamento em nossos próprios corpos para, por meio deles, sentir o que a mente, sozinha, não foi feita para compreender…