Uma vez, quando vários de nós íamos de carro para Boston, paramos num restaurante de beira de estrada para almoçar. Havia uma mesa perto de uma janela de canto, de onde podíamos, todos, olhar e ver uma lagoa. As pessoas estavam nadando e mergulhando. Havia dispositivos especiais para escorregar pra dentro d’água. Dentro do restaurante havia uma juke box. Alguém pôs uma moeda nela, observei que a música que saiu dela acompanhava os nadadores, embora eles não a ouvissem.
John Cage
A opção pela aleatoriedade, típica do compositor John Cage, não era somente opção criativa, mas também um convite a novas maneiras de ver-ouvir. É uma perspectiva que paradoxalmente pode ser muito urbana e muito orgânica ao mesmo tempo (mas quase tudo é paradoxal em John Cage):
assim como os sons de pássaros e natureza podem ser ouvidos como uma sinfonia, também os sons da metrópole, embora mais caóticos, podem ser bem musicalmente apreciados.
Em nenhum dos dois casos se interfere na ordem ou composição dos sons, em ambos se escolhe encontrar a beleza.
Assim também acontece na relação entre som e movimento: uma sobreposição aleatória de música a uma dança pode vir a fazer sentido, pois esse sentido não depende somente dos artistas criadores, mas também dos olhos-ouvidos de quem vê (e ouve).
Na foto, John Cage e Merce Cunningham, respectivamente o compositor e o coreógrafo da pós modernidade que seguem muito influentes na arte até hoje.
Referências
CAGE, John. Como Passar, Chutar, Cair e Correr in: De segunda a um ano: novas conferências e escritos de John Cage. Tradução de Rogério Duprat. São Paulo: Hucitec, 1985.