Musicalidades afrodiaspóricas na dança: Lufuky e Som do Movimento

Centro Cultural São Paulo, Sala Ademar Guerra, abril de 2025. Dois solos numa mesma noite de sábado, que se complementaram por convergirem para um mesmo horizonte: assumir que a música pode ser uma das fontes de inteligência e conhecimento em função do desenvolvimento técnico e expressivo da dança, especialmente das danças de matriz africana.

O primeiro dos dois solos, Lufuky, demonstra isso com propriedade. Trata-se de um solo-aula protagonizado por Thiago Negraxa em que transbordam o verbo e a necessidade de fazer conexões entre corporalidades e sonoridades que, mesmo em distâncias continentais, compartilham de uma mesma ancestralidade e contemporaneidade. Entre os atabaques de Denilson Oliveira e os scratchs de DJ Def Brks, Negraxa e seus músicos dançam o tempo circular que é do funk, do passinho, do jongo e de todas as danças urbanas, e demonstram que o diálogo direto com a etnomusicologia tem muito a acrescentar às danças afrodiaspóricas.

O segundo solo, Som do Movimento, é um trabalho de Frank Ejara que neste ano completa vinte anos de existência. Diretor da companhia Discípulos do Ritmo, Ejara sozinho também faz jus a esse título e permite que o ritmo seja mestre de sua dança. Há que se ter altos níveis de escuta musical e de entrega para gerar o efeito de que o som é que é criado pelo movimento do corpo, e é exatamente isso que se vê e ouve nesse solo. O resultado é um espetáculo que prende a atenção por engajar simultaneamente visão e audição: a coreografia espacializa o som aos olhos, e faz isso tanto com precisão quanto com humor. Assim, o virtuosismo físico e auditivo é capaz de inverter essa relação com frequência, mostrando que o corpo também é mestre, e portanto o som estaria vindo do movimento… Esse solo é, enfim, uma declaração do amor de Ejara ao ritmo, pois como dizia Nietzsche: “Retribui-se mal um mestre quando se permanece sempre e somente discípulo.”

Cada qual a seu modo, esses dois solos que evidenciam uma verdade fundamental para as danças urbanas e afrodiaspóricas, mas que ainda precisa ser assimilada: que o resgate da ancestralidade implica necessariamente em interdisciplinaridade, que pesquisar danças é também mergulhar na musicalidade que é própria dessas danças.


Lufuky (2025)

Dança: @thiagoarrudaleite
Dramaturgia: @yossaie
Percussão: Denilson Oliveira
Discotecagem: @djdef_brks
Iluminação: @didagenofre
Figurino: @paulopallas

Som do Movimento (2005)

Dança: @frankejara
Composição Musical: @mhmoretto

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