Em Violin Phase (1982), Anne Teresa de Keersmaeker realiza um solo de dança contemporânea em tablado com areia clara, localizado ao centro de uma clareira. Há uma intenção de trabalhar ao máximo com o mínimo possível, seja na escolha predominante de movimentos coreográficos pendulares de braços e dos pés que arrastam pelo chão, no figurino inteiramente branco e simples e na escolha musical de um único violino. Violin Phase é uma peça homônima do compositor Steve Reich, e tanto a música quanto a dança operam com a defasagem, gerando progressivas variações por meio de mínimas diferenças. Conforme dança, Keersmaeker desenha o chão ao seu redor, o que remete a uma notação Beauchamp-Feuillet repaginada, dançada e traçada em tempo real.
Para que o traço de seus pés desenhe o chão, é preciso que haja uma ordem interna na coreografia, uma ordem para ser seguida à risca (literalmente). A solidez dessa ordenação coreográfica não torna a obra fria ou inexpressiva, pelo contrário: é o meio pelo qual a expressão se realiza, num crescendo dinâmico que tem o fim da obra como ponto culminante. Há que se destacar a atenção ao detalhe de gravar o som de respiração original da artista, que juntamente com a ambientação natural colaboram para trazer calor humano à obra, que do contrário poderia ser excessivamente cerebral. O uso das câmeras é complexo e colabora muito para acentuar a gradual progressão da coreografia e da música, com o belo efeito de uma visão quase em primeira pessoa próximo ao final da peça, em que a câmera gira junto com os vigorosos giros da bailarina.
Ao fim, o desenho traçado pelos pés de Keersmaeker é circular e lembra uma mandala, tão circular quanto a dança, a música, o tablado e a filmagem. Em meio às forças indisciplinadas e não tão previsíveis da natureza, a obra instaura um campo estruturado, regular, como quem busca ancorar-se em meio ao caos.
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Esse texto foi uma atividade da Oficina Prática de Crítica de Dança, ministrada por Henrique Rochelle no SESC Palmas entre junho e julho de 2021. Agradecimentos a Henrique Rochelle pela valiosa colaboração, que sempre contribui para aprimorar o que é escrito neste site.