Entre as tantas idas e vindas que a pandemia de COVID-19 nos impõe, uma coisa se mantém viva: a vontade de conexão com o outro. É sobre isso que trata Infinitos Traçados, obra da São Paulo Companhia de Dança em colaboração com a Orquestra do Theatro São Pedro, que foi apresentada entre cinco e sete de setembro de 2021. É a segunda produção da companhia sob direção musical de Ricardo Ballestero, que assim como na produção anterior, Schumann ou Os Amores do Poeta (2018), propõe o diálogo entre a dança e a música de câmara. Diálogo pouco comum na cena de dança paulistana, porém um modo inteligente de deixar o CD de lado e dar sangue à música: cria-se a oportunidade de colocar músicos e bailarinos em contato direto sem que haja a necessidade de grandes orçamentos para o pagamento de artistas da música, pois se trata de formações musicais menores que uma orquestra completa, por exemplo.
Entrelaçam-se as ideias de bailarinos, coreógrafos, músicos e direção cênica, numa infinidade de combinações de suas perspectivas artísticas. De longe, os coreógrafos Esdras Hernández Villar, Mônica Proença e Jonathan dos Santos concebem e transmitem a coreografia via videoconferência. De perto, os músicos ensaiam com os bailarinos, com os ajustes de andamento, dinâmica e expressividade que só a música ao vivo é capaz de dar. Entre os longes e os pertos, uma tentativa de construir uma identidade latino-americana que se revela não só na brasilidade da própria companhia, mas também nos trabalhos musicais de Heitor Villa-Lobos, Camargo Guarnieri (brasileiros), Alberto Ginastera (argentino) e Miguel del Águila (uruguaio). Tratando de uma obra de tantas misturas, fica no ar uma vontade de entender melhor quem são esses coreógrafos, de onde vem, como pensaram esse trabalho, como dialogaram entre si… detalhes que poderiam estar mais evidentes no programa de sala, para colaborar com a leitura da obra.
Nas escolhas musicais há uma colcha de retalhos que, por sua variedade de dinâmicas e formações instrumentais e sua unidade latino-americana, dá à dança muitas possibilidades criativas. Porém é possível sentir que no caso das músicas de Villa-Lobos (principalmente da Fantasia Concertante) poderia haver mais tempo de trabalho para garantir a assimilação de estruturas musicais tão complexas, resultando em coreografias mais fluidas e coerentes. O resultado é bem diferente com Charango Capriccioso, de Miguel del Águila, por exemplo, cujas seções constrastantes e forte apelo rítmico colaboraram com a coreografia e com a direção de cena, fazendo dela a parte favorita do espetáculo. Por outro lado, a diversidade de interpretações de uma mesma música é valorizada: em Triste para violoncelo e piano, de Ginastera, Mônica e Jonathan coreografam separadamente dois pas de deux bastante diferentes entre si, separados em cena por uma fina tela, como que pertencentes a duas realidades paralelas que, ao final, se encontram no agora. Aliás, não só essa coreografia mas toda a obra parece ser sobre isso: superar distâncias, conectar-se com o que parece longe, e assim pôr em contato toda uma multiplicidade de pontos de vista.