Entrevista: “E se..” discute a violência contra a mulher com dança contemporânea e improvisação musical

Neste ano, feliz e infelizmente, completa-se trinta anos da Campanha Mundial pelos Direitos Humanos das Mulheres. Felizmente porque há reconhecimento da importância dessa luta, mas infelizmente porque é necessário, mesmo depois de trinta anos, defender e afirmar o óbvio. Em diálogo com a campanha, o Teatro Sérgio Cardoso Digital apresenta “E se…” (veja o teaser aqui), um espetáculo de dança contemporânea dirigido por Gisele Bellot, coreografado por Gabriel Malo e com música especialmente composta pela pianista Marcelle Barreto. Tive o privilégio de entrevistar esses artistas, que revelaram detalhes interessantes sobre mímese sonora, composição musical, dramaturgia e videodança. Suas respostas nos sensibilizam para assistir o espetáculo, que acontecerá em modo online e gratuito de 18 a 28 de novembro de 2021.

A dança geralmente é uma arte sem palavras, mas em “E se…” temos a voz sobre mulheres – em áudios de advogados e promotores de justiça – e a voz das próprias mulheres. O que aconteceu quando essas vozes se transformaram em dança? 

Gabriel Malo: Quando essas vozes se transformaram em dança, a história individual de cada intérprete também começou a ganhar forma. Estamos falando de um assunto humano e bem abrangente, mas o corpo é muito inteligente ao registrar as emoções do que vivemos no nosso dia-a-dia, e cada um registra de uma forma diferente, é muito individual. Então, no momento em que cada intérprete começou a descobrir como seria a fisicalidade, o ritmo e a maneira de se expressar daquele personagem, consequentemente as histórias físicas individuais de cada um começaram a ser emprestadas para que a narrativa fosse desenvolvida e a ação dramática criada. 

Gisele Bellot: Para mim a dança é uma arte com palavras sim. Elas são escritas pelo nosso corpo e quando a gente consegue escrever corretamente as pessoas entendem. Na verdade a voz delas aqui são os gritos, da alma, do corpo, da dor. Cada uma dessas mulheres nos ajuda a colocar lado a lado e no corpo todos os tipos de  violência: física, sexual, moral, patrimonial, psicológica. Mesmo que seja difícil, a gente faz um trabalho para que elas aprendam como jogar a chave fora, como romper com isso. No fim elas tem a coragem de seguir apesar de. É um processo difícil, mas possível. Talvez a gente nem saiba os reais motivos de todas elas, e que 48% das vítimas de violência no Brasil apontam namorados, cônjuges ou ex-parceiros como autores, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde. O assunto ganha ainda mais voz neste mês, com a campanha de Combate à Violência Contra a Mulher, em eventos, seminários e mostras, que buscam ampliar a discussão de violação dos direitos humanos. 

Gisele Bellot em “E se…”. Foto: Caio Gallucci

Como foi a experiência de esculpir a música juntamente com a dança, desde os improvisos nos ensaios até a produção final do trabalho? 

Marcelle Barreto: Já faz algum tempo que a experiência de improvisar com bailarinos tem feito mais parte do meu trabalho. Fomos descobrindo juntos nos ensaios algumas células musicais, tempos e climas que trariam uma maior potência para a narrativa de um tema desafiador, mas a Gisele e o Gabriel são artistas encantadores de se trabalhar, trazendo ideias e propostas que facilitam na hora de compor. Quando finalizamos esta primeira parte, montamos uma música guia para cada cena para ser usada no dia da gravação do vídeo. Enquanto o vídeo era produzido, eu gravava outros instrumentos, vozes, efeitos e as preenchia com uma paleta sonora que definimos previamente. Na pós produção, deixei o Patrick [Amstalden], diretor de audiovisual, finalizar o projeto fazendo os ajustes que ele achasse necessários para contar melhor esta história.

Foto: Caio Gallucci

“E se…” é uma videodança, e por isso compartilha traços com a linguagem do cinema. De que modo a música, que nesse caso também é trilha sonora, colaborou para a dramaturgia da obra? 

Gabriel Malo: A música traz muitos efeitos sonoros que representam o que está acontecendo dentro de cada mulher. Algumas metáforas com os elementos da natureza (como tempestade e vento, por exemplo) assim como sons de respiração (das mais ofegantes às mais sutis) servem à plateia como um recurso a mais para que a experiência seja sensorial. A história é bem realista, mas a linguagem musical brinca com as sensações de uma forma subjetiva, onde cada um que assistir e ouvir a trilha pode ter um ponto de vista diferente sobre as emoções de cada cena.

Marcelle Barreto: O projeto inicial era para ser executado ao vivo. Quando ele se transformou em vídeo, tivemos que descobrir o que funcionaria melhor para contar esta história, então tive a liberdade de improvisar com os bailarinos, depois inserir mais instrumentos em estúdio e trabalhar a música por outros ângulos. A ideia sempre foi tentar levar o estado psicológico dos bailarinos para dentro da cena através da música, para os sentimentos e problemas que toda mulher que passa por algo assim sente. Nossa ideia foi ativar os sentimentos através da música para que as câmeras captassem da melhor forma possível, e consequentemente o público absorvesse cada detalhe.

SERVIÇO | “E Se…”, de Gabriel Malo com direção artística de Gisele Bellot. Exibição online e gratuita dentro da programação do projeto Sérgio Cardoso Digital, de 18 a 21 e de 25 a 28 de novembro (quintas e sextas, às 19h, sábados, às 17h, e domingos, às 18h).

Ingressos gratuitos pelo https://site.bileto.sympla.com.br/teatrosergiocardoso/


Este espetáculo foi contemplado pelo Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo (Proac – Edital 03/2000) no eixo Produção e Temporada de Espetáculo Inéditos de Dança.

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Comentários
  1. Avatar de Gisele Bellot
    Gisele Bellot

    Muito obrigada pela entrevista, e por nos acompanharem nesse projeto.