(Texto originalmente publicado na plataforma Medium em 08/07/2018)
Desbravar o contemporâneo sem deixar de alimentar a tradição. É assim que se define o teceiro programa da SPCD, dos dias 5 a 8 de julho de 2018, ano de comemoração dos 10 anos da Companhia. A abertura da noite ocorre já no saguão, com a apresentação da Intuição Companhia de Ballet. Vemos ali um pequeno trecho de seu trabalho, executado com muita qualidade e sem abrir mão da música ao vivo, executada pela pianista Rosely Chamma. Quando se tira uma obra do palco para apresentá-la em muita proximidade com o público tudo se amplifica, e a dedicação e competência de todos os artistas envolvidos se torna ainda mais palpável. A presença do piano em vez do mp3 acrescenta mais uma dimensão de vitalidade à performance, cuja música foi transcrita pela própria pianista. É evidente que os diretores da Intuição percebem a diferença de qualidade que a música ao vivo imprime às obras. Já na SPCD, mesmo com o intenso sucesso de bilheteria de suas performances com orquestra de 2017 em O Lago dos Cisnes e Pulcinella, não encontramos a música ao vivo como uma preocupação primária nos seus programas.
A Suíte de Raymonda (2017) de Guivalde de Almeida reaviva o famoso clássico sem ousar nas escolhas estéticas. Uma remontagem que prioriza os grandes conjuntos, quase que eliminando as variações, que são em sua maioria remontadas como trios. Tenho a esperança de viver para assistir no Brasil mais montagens clássicas com a interpretação orquestral que elas merecem, pois é no mínimo frustrante assistir a uma coreografia tão meticulosamente trabalhada acompanhada por gravações sujas e mal equalizadas.
Visceral, Primavera Fria (2017) contrasta radicalmente com a obra anterior. Foco quase que absoluto no fluxo de movimento, em detrimento das marcações de posição tão claramente definidas no balé que a precede. A linguagem contemporânea se equilibra com a dramaturgia clássica: a perda do objeto amoroso, mas não do ponto de vista emotivo tão bem conhecido pelo Romantismo, a análise de Clébio de Oliveira se propõe científica, uma exploração com base na neurologia, tão cara aos céticos tempos atuais. Música e dança se perdem e se encontram , como num labirinto, em alusão às perdas amorosas que a coreografia retrata.
O grupo é o foco de Melhor Único Dia (2018), em que Henrique Rodovalho traz um caráter animal para a cena, o que traz à coreografia um ar quase lúdico. A música de Pupillo dialoga com a atmosfera da dança, com a qual os ritmos brasileiros formam um todo consistente; o caráter otimista de nossa música veio de encontro à proposta estética do coreógrafo. Destaque para a iluminação, cujos desenhos geométricos são belamente destacados pelo linóleo claro, e servem como elemento de cena aos bailarinos.
A SPCD encerra sua temporada 2018 com diversidade e qualidade, características fortes também no seu trajeto durante os últimos 10 anos. Fica a expectativa para os próximos trabalhos a serem desenvolvidos no segundo semestre.
Foto: Beatriz Fidalgo.