A Notícia, espetáculo de dança solo da Caleidos Cia. de Dança interpretado por Nigel Anderson, criador que atuou colaborativamente com Isabel Marques e Fábio Brazil, é uma proposta altamente sensível de reflexão sobre a homofobia. Por meio de uma construção intrincada de dança, noticiários, explanações científicas, relatos pessoais, luz e som é formada uma dramaturgia fluida e que não nos deixa esquecer em momento nenhum que a homofobia ainda hoje é ciência, política, fato, notícia concreta.
A voz sempre está presente, e tem muito a dizer, o que pode parecer estranho a um espetáculo de dança. Mas porque deveríamos sustentar o antigo tabu que separa o corpo da voz (quem dança não deveria falar/cantar)? Principalmente quando há realidades a serem notadas, noticiadas, denunciadas… A característica não semântica da dança (e da música instrumental) nesse caso não basta: convoca-se a palavra, portanto, para explicitar a mensagem. Pois quando há opressão a resistência não somente é necessária, mas precisa ser feita de maneira incisiva, de forma que não reste dúvidas sobre o que existe de errado em nossa sociedade.
A música, quando paisagem sonora, é árida, e deixa espaço para que o corpo e a voz sobressaiam. Quando ritmo, evoca o selvagem, o feminino e a possessão, esta astutamente fundida com a ideia de terapia de eletrochoque – três aspectos relacionados à pomba gira cigana (entidade a quem se atribui, homofobicamente, a homossexualidade). A interlocução entre o audível e o visível constrói significados: em uma cena específica, a expressão corporal – reza em ladainha – destoa da expressão corporal – mais que sensorial, sensual. Porque o que é forçado a ser dito não tem forças para anular o que o corpo diz por si só.
Apesar de o espetáculo não nos trazer boas notícias, mas literalmente os noticiários de crimes homofóbicos frequentemente encontrados na mídia tradicional, nos traz notícias necessárias. Notícias que, fundidas com a experiência de quem as viveu no corpo, resultam numa ampliação de sensibilidade para além – muito além – da expressão fria e distanciada de um programa de jornal. Que essa sensibilidade não nos seja perdida nem esquecida, e que seja o nosso farol em tempos obscuros.