Ainda nos tempos do capítulo anterior, Claudia e Armando já discutiam, ainda que vagamente, algumas possibilidades para a nova criação. Porém agora, sem ter no corpo uma obra pronta e bem ensaiada como Platô (2014), eles adentram por completo o incerto campo inicial da criação artística.
Inicialmente, a grande questão da criação é como se dará a presença de Ana Mondini nela. Claudia enfatiza que o projeto atual da companhia, o Entre Platôs, nasceu movido pela intenção firme de dançar com Ana. Mondini foi – e ainda é – uma figura muito marcante para Claudia e Armando, tanto como artista quanto como pessoa. Eles relatam constantemente as experiências que viveram com Mondini: as obras coreografadas por ela, inspiradas nela, dançadas com ela. Esse “entre platôs”, claramente, é sobre dar presença à memória.
Entre as décadas de 1970 e 1990, a presença de Ana Mondini foi extensa e produtiva na dança paulistana. Seu trabalho como bailarina solista do Balé da Cidade de São Paulo e, posteriormente como coreógrafa e diretora de companhias de dança como Cisne Negro, Grupo Casa Forte e República da Dança foi acompanhado de perto por Claudia e Armando. Eles estiveram várias vezes no elenco dos trabalhos de Ana, e possuem intensas memórias da criação coreográfica vivida com Ana em Forró for all (1994)¹ ² e Mar Dito Mar (1995)¹, especialmente.




As fotos acima revelam peculiaridades sonoras comuns a Forró for all e Mar dito mar: o forte uso da voz, a percussão feita por bailarinos e a presença de músicos em cena. Forró for all, especificamente, apresentava um grupo de sanfoneiros em cena, com sanfoneiros icônicos como Dominguinhos e Toninho Ferragutti. É de trabalhos como esse que desabrocha a voz de Claudia Palma, presente em cena até hoje.
A carreira de Mondini como coreógrafa não pode ser resumida a esses dois trabalhos, porém é pelo retrato de Forró for all e Mar dito mar na crítica de dança da época que se pode ter uma ideia do impacto de sua atuação. Nas palavras de críticos como Helena Katz, Ana Francisca Ponzio, Marcos Bragato e Marcello Castilho Avellar, essas criações de Mondini são descritas como “dança antinormativa”, que pesquisa uma “redescoberta de movimento, espaço e ritmo”, carregando cores fortes de brasilidade sem abrir mão da experimentação cênica. Elementos assim são colocados como traços que Ana não construiu sozinha: construiu com o elenco – no qual estavam Claudia e Armando – e especificamente com essa companhia, a República da Dança.
A República da Dança parece ser o sonho de qualquer apreciador da arte como expressão pessoal. Ao reunir personalidades como a coreógrafa Ana Mondini, a diretora Gabriela Machline e bailarinos do porte de Armando Aurich, Beth Risoléu e Miriam Druwe, entre outros, a companhia uniu as forças de algumas das mais inquietas cabeças da dança brasileira.
Marcello Castilho Avellar para o Jornal Estado de Minas, 1994







Na década de 1990, devido a falta de investimentos, a companhia independente República da Dança – da qual Ana Mondini foi também fundadora – infelizmente foi fechada. Ana continuou sua carreira na Alemanha, trabalhando como assistente de direção de Ismael Ivo na Companhia de Dança do Deutsches National Theater. Posteriormente, torna-se a primeira brasileira e primeira mulher a dirigir a Companhia de Balé do Staatstheater Kassel.
Claudia e Armando permaneceram trabalhando com dança em São Paulo, apesar de todas as dificuldades da vida de artistas independentes e apesar do inconstante apoio financeiro que envolve o trabalho via editais de cultura. Felizmente, Claudia teve seu trabalho com a iN SAiO reconhecido este ano ao receber o Prêmio Denilton Gomes, da Cooperativa Paulista de Dança, pela Trajetória em Dança na Capital, a partir do espetáculo “Um Outro Corpo – Desdobramentos”.
Atualmente, Claudia e Armando têm uma intensa e potente atuação docente, mas a história com Ana parece ter ficado em aberto no passado. Embora estivessem próximos dela, havia uma diferença de posição – Ana coreógrafa, Claudia e Armando bailarinos – que abria uma distância levemente hierárquica entre eles. Ficou em aberto o desejo de dançar com Ana de igual para igual.
Porém atualmente Ana reside em Portugal: como tornar possível essa presença?
