Dançar em fluxo contínuo, com presença e atenção ao estado em que o corpo se encontra naquele dia e naquele momento. Ouvir e respeitar o que o corpo quer falar. Não querer que seja diferente: deixar acontecer o que estiver acontecendo.
É de premissas como essas que partiram as aulas abertas de Claudia Palma no Centro de Referência da Dança. As aulas são parte do Projeto Entre Platôs do Núcleo Artístico iN SAiO Cia. de Arte, que vem sendo apoiado pelo 32º Edital de Fomento a Dança, e são o momento e o lugar em que Claudia entrelaça saberes de dança contemporânea, Tai chi chuan e Eutonia.
Pude estar presente nessas aulas e viver a transformação do meu corpo (e dos corpos) no decorrer de quatro meses. Todo início de aula é no chão: deitar, espreguiçar, bocejar, respirar, ouvir atentamente os sons do entorno. Claudia guia todo o processo com sua voz à maneira de uma meditação. Somos convidados a sentir e conhecer regiões do corpo pelo toque: um dia a coluna, no outro a cintura pélvica, a cintura escapular, pés e pernas, mãos e braços. É um conhecimento inteiramente mediado pelo toque, tanto o toque de si quanto o toque do outro e no outro.
Porém logo fica evidente que essa separação do corpo em partes só é necessária para fins didáticos, pois ao irmos para o improviso de dança o corpo sempre é chamado como um todo. É aí que o corpo expande gradualmente, desloca-se no espaço e até esboça pequenas composições coreográficas. Nesse momento, a música é sempre um estímulo muito importante, pois é apresentada em gêneros e dinâmicas variadas que servem como ideia e base para diversas explorações de corpo. Com as músicas ressurgindo e sendo novamente ouvidas de uma aula para a outra constrói-se uma memória delas e, assim, expandem-se se as possibilidades de diálogo entre som e movimento.
Da expansão volta-se ao recolhimento do corpo, que ao fim é pela prática de Tai chi chuan. O fluxo contínuo do movimento vai se tornando mais sutil e mais contínuo ao longo das semanas, vai perdendo acentos, perdendo força e ganhando respiração e uma certa verdade. Pois não se trata de fazer, de executar, mas sim de permitir que o corpo flua sem que se queira contê-lo ou controlá-lo. Nesse paradoxo de uma intenção não-intencional é preciso comprometer-se com a lentidão e com os processos, e assim gradualmente se constrói uma atitude de dança que pode ser também uma atitude de vida.

