24 de janeiro
O corpo ainda fala do cansaço do ensaio passado. “Parece simples mas não é, cansa o corpo”, diz Claudia, e com razão. Platô é um trabalho de estética simples, porém a simplicidade e a leveza raramente significam menos esforço corporal. O próprio balé clássico, por exemplo, é prova de que a quantidade de leveza aumenta em proporção igual ao esforço para alcançá-la.
Por outro lado, parece ser impossível para Claudia e Armando dançar em “modo de economia de energia”, dançar “apenas 50%” (eles recordam essa expressão na voz de Hulda Bittencourt, lembrando de quando ela dirigia os ensaios da Cisne Negro Cia. de Dança).
O que não permite essa abordagem é a concepção de dança de ambos. Nos ensaios, não se trata de executar Platô – ou qualquer outro trabalho da iN SAiO – mas sim de encontrar nele as intenções que precedem as ações. Deste modo, é importante seguir ensaiando, mas somente se for para relembrar e recuperar a intenção e cuidar para que o movimento não se transforme em mera ação.
Dançar “apenas 50%”, então, talvez só seja possível caso se separe a ação de sua intenção, tirando do movimento a sua razão de ser. E razão de ser requer esforço.
Em geral, a criação não nasce nem do torpor nem da narcose, mas do treinamento e também da recompensa. Ao contrário de nossas fábulas, a obra emerge de um excesso de superpoder. A alegria sentida cresce com o esforço consentido.
Michel Serres, Variações sobre o corpo, p. 21