08/03/2020
Dupla celebração: nos dias 5, 6 e 7 de março de 2020 a Sala São Paulo comemorou, ao mesmo tempo, os 250 anos de nascimento de Ludwig van Beethoven e a estreia de Thierry Fischer como regente titular e Diretor Musical da OSESP. Para tanto, foi escolhida uma obra à altura da cerimônia: a Missa Solene em Ré maior Op.123.
Menos popularizada que a Nona Sinfonia, a Missa Solene carrega em si uma dramaticidade que raramente se faz presente em obras musicais de cunho religioso. É uma dramaticidade muito mais próxima da experiência humana do que da tradicional submissão a um Deus onipotente. Até porque, dada a afinidade de Beethoven com o Iluminismo, é mais do que esperado que o compositor coloque o homem em primeiro lugar, como medida de todas as coisas.
“Musicalmente, o drama se expressa nos súbitos contrastes de intensidade, nas sequências de modulações inesperadas, nas contundentes alterações rítmicas, na orquestração com uso de metais e percussão”, explica o filósofo e professor Jorge de Almeida no programa. Porém quem assistiu pôde perceber que não foi só musicalmente que o drama de Beethoven se expressou. Thierry Fischer foi colocado em fotos em movimento, enérgico e expansivo tanto nos cartazes quanto nos programas, e regeu a Missa de maneira análoga à forma como foi retratado em imagem. Era possível ver seu corpo ativo e presente, reagindo e transmitindo à orquestra e coro – e com a orquestra e coro – cada um dos diversos contrastes, impulsos, e detalhes expressivos da obra de Beethoven.
O regente suíço foi aluno de regência de Nikolaus Harnoncourt. Este último é conhecido pela estudo, performance e difusão de interpretações musicais historicamente informadas, que dêem relevância a instrumentos de época, partituras originais, e formações orquestrais menos ostensivas que as adotadas a partir do século XIX. Fischer poderia muito bem seguir os passos de seu antigo professor, mas felizmente escolheu por não fazê-lo. Felizmente por dois motivos: primeiro porque esse não é o estilo de trabalho realizado pela OSESP e segundo porque uma celebração de 250 anos de Beethoven realmente requer uma execução grandiosa, reunindo Coro e Coro acadêmico da casa, com extensos naipes de cordas, gerando em conjunto uma interpretação festiva e vibrante. E assim se fez.
A plateia aplaudiu tudo aquilo que não pôde aplaudir entre cada movimento da Missa, e aplaudiu com fervor. Após os aplausos, um clima pacífico pairava no ar, e a procissão de ouvintes se dirigia à saída ainda em ares religiosos. “Essa Missa é muito boa, mas acho o final fraco, podia ter acabado como no Glória”, disse um coralista no saguão da Sala. Eu discordo dele: qual seria a necessidade de se ter tanta efusividade presente em um dona nobis pacem? Um pedido de paz não deve soar como um final de sinfonia… Melhor do que pedir por mais som é agradecer pelos silêncios que Fischer cuidadosamente colocou entre cada movimento, e que soaram tão eternos e solenes quanto a própria música.
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Este texto foi um exercício do curso de Jornalismo Cultural e a Crítica de Artes, realizado no Centro de Pesquisa e Formação do SESC-SP.
*Foto de capa: Isabela Guasco (Veja SP)