Moldando espaços via corpo, som e câmera em Take a Deep Breath – TAKE 1 (Jorge Garcia Cia. de Dança)

Sabemos bem que os espaços que habitamos moldam nossas atividades. Por exemplo: um restaurante nos estimula a comer, um quarto de hotel nos induz a descansar, um cinema nos predispõe a fantasiar e entrar em outros mundos. Porém pode-se, por meio da dança e seus dispositivos, traçar o caminho inverso: moldar espaços por meio de atividades cênicas.

Essa proposta conduz Take a Deep Breath – TAKE 1, da Jorge Garcia Companhia de Dança, obra de 2016 que integra uma pesquisa de longa data do diretor, coreógrafo e bailarino Jorge Garcia, chamada coreocinegrafia. Trata-se de uma proposta híbrida entre a dança e o cinema, utilizando filmagens com câmera sem fio feitas e transmitidas em tempo real pelos próprios bailarinos. O resultado, à primeira vista, é de alta densidade visual, pois sobrepõe uma série de grafias: corpos que grafam o chão com giz e com água, corpos que grafam os outros (e os próprios) corpos com a câmera, câmera que grafa e expande o que faz ou não faz parte da cena.

Foto: Giorgio D’Onofrio

Toda essa visualidade requer bastante fôlego do espectador, e felizmente é apresentada em equilíbrio com os outros elementos de cena. Esse equilíbrio é alcançado principalmente pelo uso bem dosado do som, dispondo de silêncio em cenas mais densas e reservando as sonoridades para, novamente, modelar espaços.

Enquanto os bailarinos dançam no silêncio, ouve-se sutilmente ao lado da plateia a água fervendo na chaleira e o café escoando na cafeiteira, que assim que soam já começam a expandir a cena sutilmente para além da área onde se dança. A bateria de Eder “O” Rocha também contribui para essa expansão: soa dos camarins, nas costas da plateia, e logo em seguida é posta em cena quando a câmera revela os bastidores. Essa espacialização remete ao som surround dos cinemas, porém com uma peculiaridade típica da dança: tanto os corpos dos bailarinos quanto esses sons não são gravados, são reais, têm uma concretude que o cinema jamais terá.

Foto: Giorgio D’Onofrio

As modelagens de espaço vão apagando as linhas que traçam o que está ou não em cena, o que é público e o que é privado, e quem tem o poder de apagar esses limites é a própria câmera (aquela que também tornou cênico o ambiente privado de tanta gente desde o início da pandemia). Aqui, porém, a entrada da plateia na cena é discreta e gradual. Essa entrada parte de discretos atos de filmar a plateia e culmina numa comunhão em que todos, bailarinos, coreógrafo, músico, equipe técnica e espectadores são convidados a participar da intimidade que é compartilhar da mesma comida e da mesma bebida. É justo no final da coreocinegrafia que aquele cafezinho deixa de ser pura sonoplastia.

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