Existe dança sem música?

how to pass
Merce Cunningham e John Cage em How to pass, kick, fall and run.

Há quem diga que a música é indispensável. Há quem diga que ela é trilha sonora, mero fundo musical. Há quem diga não precisar dela para dançar. Porém, em todos os casos, ela sempre precisa entrar em jogo na dança, seja para ser afirmada, seja para ser dispensada.

Se a música é a arte dos sons, pintura e escultura são as artes das imagens, literatura é a arte das palavras, o que é a dança? Ora, a arte do corpo. Porém essa resposta não resolve o problema, porque

1- o corpo está presente em (praticamente) todas as artes e
2- dança não é uma arte do corpo.

Talvez a dança seja a mais interdisciplinar de todas as artes. Se tomarmos um balé de repertório, por exemplo, temos dança, música, cenário, narrativa, iluminação e figurino como elementos que fazem parte da dança! Seriam alguns deles mais essenciais que outros, mais indispensáveis? Talvez sim.

O cenário talvez tenha sido o primeiro a se provar desnecessário. Balanchine abriu mão dele em seus balés mais abstratos como Agon e Serenade. E junto com ele cai também o figurino, mas nem sempre por completo: por motivos de pudor pelo menos o mínimo dele precisa ser mantido… A iluminação passa a ser opcional, já que apresentações fora da escuridão misteriosa do teatro não precisam tanto dela. A narrativa, então, se tornou símbolo de uma era distante, e a dança se desobrigou da tarefa de ter que contar uma história, definir personagens, ter um final feliz. Só restaram, então, o som e o movimento.

Os radicais afirmavam que bastava o corpo e seu movimento, e a dança não teria necessidade de música para se sustentar como dança. O problema que surge aqui é que, quando a dança se desnuda de tudo aquilo que fazia parte dela ela passa a quase não ser mais reconhecida como dança, e beira o contemporâneo campo da performance. O que distinguiria a dança de uma performance? Determinado tipo de técnica coreográfica? Se não há técnica, ou há mistura de técnicas, ainda é dança?

Daí a necessidade de se afirmar, de se categorizar: dança, porém sem música. Porque a música é, dentre os elementos que a dança abraça consigo, talvez aquele mais emaranhado com ela mesma, compartilhando da mesma natureza temporal que ela possui, e romper laços tão profundos com a música pode até custar a própria identidade da dança.

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