Notas sobre criação coreográfica em compassos assimétricos

Ensaio 1

Mapeamento do que pode o corpo, naquele tempo e naquele espaço. Preparar o corpo, aquecê-lo, torná-lo maleável em oposição ao enrijecimento imposto pelo cotidiano. Sentir o chão, sua textura e temperatura, para saber de que maneiras deslizar sobre ele. Testar limites e, a partir deles, delimitar fronteiras de possibilidades do corpo. A partir de então, ouvir e criar, atenta aos efeitos corporais do som.

Ensaio 2

Começar diferente, dado o acúmulo de aprendizados do ensaio anterior. Fica claro que é preciso desapegar-se de toda forma pré-concebida para, assim, gerar um vazio no qual o novo pode surgir.

É preciso ter neurônios nos pés e ser toda ouvidos, mas num ouvir que escuta o corpo e não se prende a contagens de tempos (pelo menos não inicialmente). Mas, à medida que o corpo se percebe à deriva dos sons é necessário parar, organizar frases, contar novamente até oito, espacializar o tempo por meio de números e anotações em papel. Aí sim voltar a dançar, agora munida de uma mínima cartografia dos principais eventos sonoros. Agora parece um pouco mais fácil para o corpo compreender o senso “manco” que os compasssos ímpares transmitem: entender mentalmente que há assimetria em um compasso de 5/4 é muito diferente de entender corporalmente.

Não por acaso, essa cartografia musical me predispôs a ouvir jazz de um modo novo, mais sensível à variabilidade de tamanhos de frases que é tão típica da música improvisada.

Ensaio 3

Tão logo um território começa a se delinear, surge a necessidade de seguir caminhos ainda mais novos e abertos. É cedo demais para permitir a solidificação de relações entre som e movimento… A música inicialmente escolhida (Take Five, na versão de Masaaki Kishibe), por ser interpretada em violão, carece de uma duração sonora, prolongamento daquele tipo de incita o corpo a procurar o fluxo de um movimento a outro. Encontrei a duração que eu procurava na versão original de Paul Desmond, cujo saxofone – em contraste com o violão – soou sinestesicamente macio ao corpo. 

Porém, a Take Five original não passou pelo mapeamento da versão antes utilizada. Isso, paradoxalmente, teve seus pontos positivos, pois resultou em uma combinação ideal de previsilibidade e surpresa para o corpo, que ficou mais atento ao som justamente por não tê-lo decifrado por inteiro! Foi então que descobri o quão saudável é manter uma parcela de desconhecido na música que se dança.  

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