110 anos de Sagração da Primavera com Dancing at dusk: Pina Bausch segundo a École de Sables

Numa colaboração entre Pina Bausch Foundation, École des Sables e Sadler’s Wells, nasce Dancing at Dusk: a moment with Pina Bausch’s Rite of Spring, o duplo da obra-prima de dança contemporânea que é a Sagração da Primavera (1975) de Pina Bausch . O que se assiste é o ensaio geral da obra, que foi registrado em março de 2020, momentos antes de a turnê internacional da obra ser interrompida devido ao isolamento social imposto pela pandemia de COVID-19. Nessa remontagem, participaram trinta e oito bailarinos de quatorze países africanos, com uma diversidade de corpos e cabelos que não é encontrada na versão original, e que enriquece a obra visualmente. 

O ensaio geral foi gravado na praia senegalesa de Toubab Dialaw, e era outono – seria primavera se fosse no hemisfério norte. Se na original versão europeia a pele branca dos bailarinos se suja de terra escura, na versão africana a pele escura se suja de areia clara. Se na versão original há o ambiente hermético do teatro, que isola a obra das influências externas, na versão africana há praia com vento, som de mar, crianças correndo ao fundo e, claro, pôr-do-sol.

A iluminação da filmagem é inteiramente natural: com isso perde-se em nitidez de expressão facial, mas ganha-se em visceralidade, em crueza, que sempre foi um elemento marcante dessa obra. O impacto da movimentação corporal, de gestos bruscos e secos, parece ser performada com mais naturalidade pelos corpos africanos, mais habituados a corporificar ritmos complexos do que os bailarinos europeus, treinados segundo a simetria rítmica do balé clássico.

Desde sua estreia com os Balés Russos em 1913, a Sagração da Primavera é uma obra sobre opressão: opressão das forças coletivas sobre o indivíduo, opressão da complexidade rítmica sobre o corpo e, na versão de Pina Bausch, opressão do masculino sobre o feminino. Levá-la ao continente africano é dar-lhe mais uma camada de sentido para opressão: a África é o continente que a Europa colocou para dançar em sacrifício na primavera de sua acumulação de riqueza colonialista…

No entanto, se nesse processo exploratório muitas obras de arte africanas foram apropriadas pela Europa, em Dancing at Dusk o continente africano se apropria de uma obra europeia, porém sem nenhuma violência e com o sangue simbólico do vestido vermelho com o qual se dança o último movimento da obra. Passado o crepúsculo desse ensaio geral e a escuridão da noite pandêmica, a obra finalmente pôde passear em uma turnê solar em 2022, digna de uma verdadeira primavera.

Assista a versão completa de Dancing at Dusk aqui (site oficial da Pina Bausch Foundation)


Esse texto foi uma atividade da Oficina Prática de Crítica de Dança, ministrada por Henrique Rochelle no SESC Palmas entre junho e julho de 2021. Agradecimentos a Henrique Rochelle pela valiosa colaboração, que sempre contribui para aprimorar o que é escrito neste site.

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