Contaminar-se e respirar junto em Fôlego, com o Balé da Cidade de São Paulo

Quis o acaso que a 55ª postagem do Movimento e Som comemorasse os 55 anos de existência do Balé da Cidade de São Paulo. Apesar dos recentes desentendimentos entre o Balé e a Sustenidos (organização social que administra os corpos artísticos do Theatro Municipal de São Paulo), o grupo segue forte em presença de palco e em qualidade técnica. Prova disso é o acúmulo e indicações ao APCA 2022, e dois desses indicados figuram juntos no presente espetáculo do Balé: Fôlego e Motriz.

Em Fôlego, a coreógrafa Rafaela Sahyoun apresenta um trabalho de minimalismo, e como é comum em trabalhos de minimalismo é a insistência nas repetições que leva à diferença. Baseando-se em uma simples circularidade de ombro e tronco, a coreógrafa conduz a plateia a acompanhar a constante reiteração e mutação desse motivo, em transformações tão sutis e bem encadeadas que é preciso estar muito atento para perceber de onde elas vieram.

Porém o que difere Fôlego das tradicionais obras minimalistas de Anne Teresa de Keersmaeker, por exemplo, é o novo significado que é impresso a cada mutação do motivo. Passa-se por apoio mútuo, euforia de festividade, combatividade e sexualidade tendo como fio condutor um mesmo movimento corporal que é revestido de dinâmicas diferentes. Porém logo percebe-se que os fios condutores são vários e estão principalmente na coletividade, na respiração e na pulsação.

Pulsar junto é uma das coisas que a música pode oferecer de melhor quando o objetivo é promover um senso de coletivo. É exatamente isso que a composição de The Field, com produção musical de Joaquim Tomé, oferece a Fôlego. Densa e pulsante, ela é tão mutante quanto a coreografia e se faz por uma sutil e complexa sobreposição eletrônica de camadas sonoras. Mesmo deixando o pulso em evidência, a trilha consegue preservar respiros entre os elementos sonoros, de modo que sua pulsação nunca seja invasiva para o corpo. Seu poder de contaminar público e bailarinos, no entanto, é preservado e estendido em fôlego mais longo que o da dança: o Balé finaliza em blecaute e a trilha estende-se para os agradecimentos.

Em Fôlego, não só os bailarinos mas também o público precisa se deixar contaminar pelo senso de coletividade e pela multiplicidade de significados que se renovam constantemente. Sim, contaminar: essa palavra que significou perigo durante os anos de pandemia passa a significar vida no trabalho de Sahyoun.


Fôlego (30’)
Rafaela Sahyoun, concepção e coreografia
Joaquim Tomé, produção musical
The Field, trilha sonora
Elenco: Ariany Dâmaso, Ana Beatriz Nunes, Carol Martinelli, Fabiana Ikehara, Grécia Catarina, Isabela Maylart, Jessica Fadul, Leonardo Silveira, Luiz Crepaldi, Marcel Anselmé, Márcio Filho, Renata Bardazzi, Victor Hugo Vila Nova e Victoria Oggiam.
Cassi Abranches, direção artística
Acesse o programa de sala aqui.

Crítica feita em colaboração com o fotógrafo Giorgio D’Onofrio.

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