Por volta dos anos 1960, John Cage dizia que seus trabalhos de composição, que borravam as fronteiras entre o que é música ou não, eram menos aceitos em ambientes de música do que em ambientes de dança. Em 2023 não é tão diferente: ainda existe uma abertura maior nos espaços de dança contemporânea para aquilo que teima em ser mais do que somente música.
É o que tem acontecido com o trabalho de Julio Maluf e Rebeca Lua, o Coral Cênico Cidadãos Cantantes. Trata-se de um projeto de mais de trinta anos que tem levado o canto coral aliado à expressão corporal para quem geralmente só tem acesso à arte por um viés terapêutico: portadores de sofrimento mental, pessoas marginalizadas ou excluídas socialmente, e pessoas da população em geral, integrando também seus cuidadores, pais, acompanhantes e até terapeutas. O Coral Cênico tem como prioridade habitar espaços públicos justamente para ser habitado publicamente, e assim evitar que a prática artística seja capturada pela medicalização dos espaços de cuidado psiquiátrico.
Tendo inicialmente o Centro Cultural São Paulo (CCSP) como sede, o Coro já foi abrigado pela Vitrine da Dança do Centro Cultural Olido e atualmente integra o corpo de artistas residentes do Centro de Referência da Dança (CRD). Julio Maluf, regente do coral, fala sobre os questionamentos que sempre rondam seu trabalho: É música? É saúde? É musicoterapia? Rebeca Lua, cantora e preparadora vocal e corporal do grupo, afirma que o trabalho é primordialmente musical, e portanto artístico.
O impulso em classificar o Coral Cênico como um projeto de saúde e não de arte diz muito sobre como a sociedade lida com os indivíduos em diferentes espectros da loucura: tende-se a querer controlá-los e curá-los em vez de dar-lhes possibilidades reais de escuta e de expressão. Sim, a arte pode exercer uma função terapêutica, mas ela só será verdadeiramente potente se for utilizada mais em nome da expressão e da socialização do que em nome da supressão de sintomas – e é aí que se encontra o Coral Cênico Cidadãos Cantantes.
Sim, trata-se de um trabalho musical e artístico, mas que tende a ser marginalizado por ousar fazer arte com quem está à margem. Claro que também existe na cidade de São Paulo uma carência de espaços públicos de residência artística para grupos musicais, e nisso o CRD se destaca: acolhe democraticamente os artistas e coletivos não só da dança, mas também de trabalhos como o Coral Cênico, no qual música e corpo estão plenamente integrados. É libertador que os integrantes do Coral estejam, no CRD, na posição de artistas residentes e não de pacientes em tratamento.
Coral Cênico Cidadãos Cantantes: Aliane Cristina de Sousa da Silva, Alice Aparecida Silva Souza, Ana Maria Giannattasio Bozeda, Ana Maria Pereira, Andre Fischer, Bruna Vieira, Carlos Eduardo Ferreira – Maicon Pop, Claudia Valeria Ribeiro, Cleuby Vilanova deCarvalho, Carla Ethel Golovanchoy Molas, Cathiara Alves Oliveira, Elisabeth Arouca Carossi, Eliana Fischer, Francisca Marcelina da Silva Ferreira, Francisco de Assis da Silva – Chico Brasil, Gilmara Moraes, Jailson Ferreira da Silva, Joelson dos Santos Amaral, Maria Aparecida de Sousa Reis, Maria Eunice Alves da Silva, Maria Genevieve, Marilene Aparecida Bariani, Marco Antônio Ribeiro, Paulo César Moreira, Rafaela Puri Martinelli, Rodrigo Nascimento da Silva, Rosane Dias Corrêa, Rosemeire de Almeida
Direção artística: Julio Giudice Maluf
Curadoria: Cris Lopes
Preparação corporal e vocal: Rebeca Lua
Para saber mais:
Afinando Diferenças: o processo de construção artística do Coral Cênico Cidadãos Cantantes – 1996-2004 – Dissertação de Mestrado em Música de Julio Cezar Giudice Maluf
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