8ª Mostra dos artistas do CRD: A Mar, Dançar Anatomia e Universo Invisível

A convite de Josie Berezin – produtora do Centro de Referência da Dança (CRD) -, tive o prazer e a honra de escrever uma série de três textos críticos sobre a 8ª Mostra de Artistas Residentes do CRD. Foi um evento de abertura de processos coreográficos e performáticos de artistas que tem frequentado o espaço desde 2022. Esses textos tem a função de fomentar a produção artística do CRD e de seus artistas residentes, fornecendo reflexões que possam estimular e fortalecer os trabalhos apresentados, e contam com fotos da parceria com Giorgio d’Onofrio.

A Mar

Numa dupla estreia, de Sofia Zappa como intérprete criadora e de Rubens Silva como coreógrafo e também intérprete, temos em A Mar uma dança que parte da poesia para discutir o feminino. Trata-se de uma experiência de alteridade, na qual Sofia convidou Rubens a tomar contato com questões não vivenciadas diretamente por ele: ser menina, mulher, mãe, e nesses papéis lidar com o machismo e com o patriarcado.

No embate de forças exigido por essas vivências, a afirmação do feminino precisa ser tão intensa quanto a das águas marítimas. Em Sofia, essa afirmação parte da palavra para se tornar corpo, e isso fica nítido em sua relação com a música: em canções ela sempre dança as palavras cantadas enquanto Rubens dança o ritmo. Assim é construído um contraponto sonoro e visual, no qual os diferentes conteúdos de suas vivências manifestam-se em uma forma musical e coreográfica.

Na cena final de A Mar o poema Entropia, que inspira todo o trabalho, é recitado por inteiro em gravação durante a performance solo de Sofia, sobrepondo-se ao próprio quebrar de ondas do mar. Nesse momento fica muito evidente que as palavras que ouvimos vem do âmago dela, e para quem assiste fica o desejo de que o poema saia não dos alto-falantes, mas das entranhas de sua própria voz.

Dançar Anatomia

Em Dançar Anatomia o cênico se encontra com o didático. É um meio de trazer aos palcos a Técnica Body-Mind Centering® (BMC®), que é onde reside a pesquisa corporal das intérpretes Olívia Niculitcheff, Nina Giovelli e Renata Passos. Felizmente, o trabalho passa bem longe do perigo de lembrar uma aula expositiva, e isso ocorre graças a uma articulação bem sucedida entre o multimídia e a fisicalidade.

Dançar Anatomia, antes de ser dança, é um site que ainda não está no ar, mas que já fez parte das projeções da performance. Esse projeto que parece destinado a não ser somente dança nem somente site, dado o que é o próprio BMC: um método de integração entre corpo, movimento e consciência. Falar dessa técnica, portanto, é um convite a uma quase inevitável integração entre artes, na qual movimento, som e vídeo (e, porque não, webdesign) convergem para fazer da consciência corporal algo acessível e esteticamente sensível ao público.

O som, nese caso, fornece várias qualidades de contribuição sensorial. Com a sutileza da voz falada muito perto do microfone, as intérpretes tocam o público e fazem com que ele sinta seu próprio corpo. Com a elaboração musical de sons vocais graves e vibrantes, passeia-se pelos túneis estreitos do sistema digestivo. Com a pulsação forte da música eletrônica, dança-se o coração e o sistema circulatório. Fica a curiosidade de como será, na mostra seguinte, o passeio físico-sonoro pelo sistema nervoso, fechando a tríade corporal.

Universo Invisível

Nesse solo de Luciana Hoppe a técnica BMC faz parte do processo criativo sem necessariamente ser revelada como resultado estético do trabalho. Isso porque esse solo de Luciana não é sobre um corpo que seja sempre humano, assim como seu solo anterior, Bestiário. Universo Invisível é inspirado no livro Homens Imprudentemente Poéticos de Valter Hugo Mãe e leva a refletir sobre a relação do ser humano com o universo e a natureza, levantando questionamentos existenciais e ecológicos.

Com uma paisagem sonora muito discreta, Luciana Hoppe constrói diversos ambientes por meio de uma interessante fusão entre som, vídeo e disposições corporais relacionadas a diferentes estados gravitacionais. Seja simulando a gravidade zero, conectando-se ao chão para se tornar animal ou caindo por janelas, cada ação é pensada e elaborada primeiramente do ponto de vista da reação do corpo a essas situações. Em torno disso, vídeo e som adaptam-se, e é aí que fica evidente que é um trabalho feito com diretor, ou seja, com alguém responsável pelo olhar externo do trabalho, pela condução de como ele será recebido esteticamente.

Esse solo – assim como os outros trabalhos citados acima – ainda encontra-se em processo criativo, há muito o que ser feito, mas já percebe-se uma coerência de escolhas cênicas. Fica a curiosidade para seguir sua continuidade, os desdobramentos e encadeamentos de suas propostas.


A Mar
Concepção e interpretação: Sofia Zappa e Rubens Silva
Coreógrafo: Rubens Silva
Poesia: Sofia Zappa

Dançar Anatomia
Criação e dança: Olívia Niculitcheff, Nina Giovelli e Renata Passos

Universo Invisível
Idealização e performance: Luciana Hoppe
Direção: Paulo Marcello
Trilha sonora e criação de vídeo: Haroldo Paraguassú de Souza
Figurino: Kalina Bourgeois
Iluminação: Nem Bonfanti
Produção: Dionísio Produção

Fotos da Parceria com Giorgio D’Onofrio

Veja também os outros textos sobre a Mostra:
8ª Mostra de Artistas Residentes do CRD

Uma resposta para “8ª Mostra dos artistas do CRD: A Mar, Dançar Anatomia e Universo Invisível”.

  1. Avatar de silvialuz
    silvialuz

    Estou adorando ver todos vocês como atores de dança. Fotos lindas que expressam a entrega de cada um de vocês.

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