3. Dança e filosofia encontram o ritual | iN SAiO

Páginas de um diário de bordo do processo criativo de dança de Claudia Palma, Armando Aurich e Ana Mondini na iN SAiO cia. de Artes.

2. Travessia, celebração e leveza | iN SAiO


09 de fevereiro: Dança e filosofia encontram o ritual

Hoje uma outra presença entra em jogo: a do filósofo Rodrigo Vilalba. Ele tem acompanhado a iN SAiO há vários anos, e colaborado para dar palavras às ideias do corpo. Sua visão ampla da história e do repertório da companhia permite que ele teça relações entre o que foi e o que está por vir.

Num almoço coletivo em livraria, Claudia Palma e Armando Aurich articulam a Vilalba as ideias iniciais. Vilalba imediatamente percebe que a ideia de travessia proposta por eles hoje já estava presente em trabalhos anteriores da companhia: em Cálamo (2012) a travessia da pele, em Platô (2014) a travessia da montanha, em Abissal (2016) a travessia para as profundezas do mar. O que essas travessias têm em comum é que elas são sempre de cima para baixo ou de baixo para cima, são verticais: o desejo, agora, é de pela primeira vez criar uma travessia horizontal, via mar. Bem que Claudia já dizia que os trabalhos anteriores da iN SAiO deixam pistas para os trabalhos seguintes.

Busca-se, então, pistas de mar nos trabalhos do passado. É da memória de Mar dito Mar (1995) que surge a primeira movimentação de corpo do novo trabalho: o desequilíbrio, que Claudia e Armando experimentaram intensamente com Ana Mondini no processo criativo desse antigo trabalho. Desequilíbrio do balanço das ondas sobre o corpo. Abissal (2016), da iN SAiO, também tratava de mar e de desequilíbrio, mas sem a ideia de travessia, tratava de intérpretes mergulhados profundamente dentro de si mesmos. No caso da criação atual, o encontro é prioridade: pode-se mergulhar, porém é preciso emergir e atravessar.

Vilalba, por sua vez, enfatiza que o mar por si só é um lugar de travessia: é por onde se vai de um continente a outro – às vezes até mais facilmente do que pela terra – é por onde os rios voadores passam, num encontro intercontinental de água e partículas entre a floresta e o oceano. Atravessar para encontrar. Encontrar o outro para encontrar a si mesmo.

O filósofo destaca, então, que o livro Escute as feras (2021), da antropóloga Natassja Martin, também tem muito a dizer sobre encontro: um encontro entre o rosto de uma mulher e a boca de um urso. Sim, um encontro e não uma tragédia, pois o urso leva consigo um pedaço do rosto dela e ela leva consigo uma parte do que o urso é, e daí em diante eles nunca mais serão os mesmos. A partir de um encontro-mordida, mulher e urso iniciam um processo de metamorfose em que ela se torna um pouco urso e o urso se torna um pouco humano.

Travessia que encontra o mar que encontra o outro, encontra o animal e encontra a si. Esse percurso de pensamento e de sentidos, que há de vir a ser dança, já tem ares de ritual. Não por acaso, é nos rituais primitivos que nascem as artes e é nos rituais xamânicos que Ana Mondini tem estado imersa recentemente. Para atravessar, será preciso desequilibrar, numa dança que procurará seu provisório equilíbrio entre o que pode ser domado e o que permanece selvagem.


4. Presenças virtuais: tudo é e tudo está | iN SAiO

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