iN SAiO Convida: Red Dance Rescue, Formas Transitórias e Situação Sonoro-Coreográfica #3

Como parte das ações contempladas pelo 32º Edital de Fomento a Dança, a iN SAiO Cia. de Arte organizou o iN SAiO Convida, um evento dedicado à troca de experiências entre artistas de dança e a diretora Claudia Palma. Em sua segunda edição, o evento aconteceu via encontros de compartilhamento de processos e procedimentos criativos, finalizando em uma mostra coreográfica na Oficina Cultural Oswald de Andrade.

Nesses encontros, o objetivo central era tanto afetar quanto ser afetado, de modo que todos, todas e todes aprendam no contato com o outro. Por focar em trabalhos de dança ainda em processo criativo, a mostra final do iN SAiO Convida foi uma rica oportunidade de pôr as ideias à prova e de testar novas possibilidades em cena. Fica evidente a importância de eventos como esse, que assim como a 8ª Mostra de Artistas Residentes do CRD dão abertura para o estudo e para o vital risco da experimentação.

Red Dance Rescue*

Trata-se de um solo de Lima Dorta que busca retomar o viés político e antifascista da dança moderna estadunidense da década de 1930. É um resgate à memória de artistas da dança como Edith Segal, Alisson Burroughs, Helen Tamiris, Edna Guy, Jane Dudley e Pearl Primus que, juntamente com outros artistas norte-americanos, faziam da dança uma arma política. Frente ao ressurgimento do fascismo em nosso princípio de século XXI, o solo de Lima Dorta retorna ao início do século XX para resgatar posicionamentos artístico-políticos dos artistas de ontem para os artistas de hoje.

A música de Red Dance Rescue remete ao passado, apresentando um piano antigo sobreposto por ruídos industriais. O piano é tanto uma herança da arte burguesa que é o balé quanto, por estar desafinado, uma marca do fim dessa era. O ruído que engole o piano, por sua vez, vem da música concreta de Pierre Schaeffer, que remete à maquinaria industrial e denota um intenso desejo de revolução. Conforme o piano é engolido pelo ruído, os movimentos de Lima ganham impacto, numa espiralização intensa que insurge contra as forças de opressão do fascismo, que insiste em ressurgir das cinzas do século passado. Deste modo, o solo retoma uma expressividade política que a dança não poderia ter perdido.

Formas Transitórias

Rubia Braga entra no palco em silêncio, carregando um grande emaranhado de arames. Ela caminha em linhas emaranhadas pelo palco, até soltar seus arames no chão e incorporar essa rede de continuidade descontínua. Embora seus movimentos sejam segmentados, há uma linha contínua de atenção que sustenta toda a movimentação e conduz seu improviso.

A sonoridade da voz surge sutilmente, em curtos fonemas que parecem ser sinais de mudança de direção do movimento. De maneira análoga, a música que acompanha boa parte do solo é feita de bipes, alarmes e outros ruídos que remetem a notificações de aparelhos tecnológicos, ou seja, são sons que desviam o foco e criam uma atenção múltipla. O solo de Rubia Braga, portanto, quebra com a polaridade que parece existir entre a fragmentação e o fluxo contínuo. Para tornar isso possível, a mente abre mão do controle racional sobre o corpo e fica à espreita, numa atenção múltipla que não controla, mas observa uma força que age sobre a matéria.

Situação Sonoro-Coreográfica #3

Nesse duo de Nina Giovelli e Otávio Carvalho, o corpo é voz e o som é bem mais que trilha sonora. Ambos entregam-se a uma experimentação híbrida, que coloca limites ambíguos entre o estritamente sonoro e o estritamente coreográfico. Montar equipamentos de som em cena é mais atitude de músico do que de bailarino, e é assim que Nina entra no palco, vestida com jaqueta brilhante de popstar e tênis, deixando logo no início uma interrogação: vai dançar ou vai cantar?

Nina não canta, mas explora a voz extensivamente. Apresenta-se à plateia, dirige-se ao técnico de som, e discursa verborragicamente sobre o amor. Sua verborragia é uma forma de ironia sonora: a voz, em excesso proposital, ainda pode ser coreografia? De certa maneira, não só Nina é coreógrafa, mas também Otávio, que grafa o chão com fitas e assim traça e delimita os caminhos coreográficos de Nina. Não é estranho, pois, que um músico determine os caminhos de uma dançarina, já que o som, mesmo de maneira imaterial, delimita os caminhos daquilo que uma coreografia pode ser. Frente a isso, a ruptura dos limites espaciais e temporais ao final da obra é só mais uma metáfora para a ruptura experimental dos limites entre o sonoro e o coreográfico.


Red Dance Rescue
Concepção, pesquisa e interpretação: Lima Dorta
Provocação: Jane de Oliveira
Iluminação: Yorrana Soares
Figurino: Lima Dorta

Formas Transitórias
Pesquisa e Dança: Rubia Braga

Situação Sonoro-Coreográfica #3
Criação e performance: Nina Giovelli e Otávio Carvalho

Fotos de Hamilton Ramos


*Errata: Informamos que a versão anterior do texto crítico sobre o solo em processo “Red Dance Rescue”, não condizia com as intenções criativas de sua autora, Lima Dorta. A versão atual expressa referências históricas em maior profundidade e, assim, proporciona uma análise mais rica e acurada.

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