11. Entre a razão e o instinto | iN SAiO

Páginas de um diário de bordo do processo criativo de dança de Claudia Palma, Armando Aurich e Ana Mondini na iN SAiO cia. de Artes

10. O som transmuta o corpo | iN SAiO


Julho

Conforme a apresentação de setembro se aproxima, surge uma necessidade de definir escolhas, fechar – pelo menos relativamente – o campo de possibilidades para esse trabalho de dança. O figurino passa por esse processo: definir cores, tecidos, caimentos, mas sempre pensando sobre o sentido que cada escolha traz. Optam por tons terrosos, arenosos, talvez verdes musgos em tecidos elegantes e festivos, criando uma simultaneidade entre a natureza e a festividade. Priorizam, sobretudo, o movimento do corpo, e a maneira como essa roupa pode favorecê-lo.

Na cenografia, de Hernandes de Oliveira, define-se que as cadeiras não mais traçarão o labirinto dentro do espaço, mas vão formar um círculo no entorno. O público é colocado, então, no lugar de quem presencia um ritual de encontro do trio. Os obstáculos, que definirão os caminhos de Claudia, Armando e Ana, serão naturais e talvez minerais: folhas secas ou talvez estruturas que lembrem pedras ou montanhas. No chão, haverá um grande papelão circular que evoca a areia do sonho de Claudia e, conforme for pisado, deixará as marcas de pés da travessia dançada.

Na relação do corpo com o som, por sua vez, há um desconforto em relação às definições. O caráter de roteiro da trilha de Joaquim Tomé acabou por fechar as durações temporais de cada momento coreográfico, ditando as metamorfoses do corpo. Claudia e Armando começam a se reconectar com o lado instintivo dessa dança, para que as mudanças de corpo voltem a acontecer por meio dos sentidos, e não da razão induzida pelo som.

É por isso que as características racionais da trilha, como a presença da voz humana, começam a ser questionadas, pois elas conduzem a percepção do público em direção à necessidade de compreender o que está sendo dito. Até mesmo a voz da música sacra de Purcell – na mordida coreográfica final – é questionada, e Joaquim experimenta substituí-la pelo Largo da 5ª sinfonia de Dmitri Shostakovich. O resultado não foi satisfatório para Claudia e Armando. A música de Shostakovich, com suas dissonâncias suspensas e mal resolvidas, pintou a mordida final com tons de angústia existencial. É justamente no contraste profanador entre a selvageria da mordida e a espiritualidade da música de Purcell que o encontro de Claudia e Armando com Ana Mondini ganhará potência.


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