8. Labirinto dos sentidos | iN SAiO

Páginas de um diário de bordo do processo criativo de dança de Claudia Palma, Armando Aurich e Ana Mondini na iN SAiO cia. de Artes

7. A cama que a gente arruma para Ana bagunçar | iN SAiO


06 de abril

Nesse processo de criação coreográfica que vem desde fevereiro, muitas ideias e vivências estão se acumulando, e o tempo começa a ressignificar algumas delas. Os sentidos vão se empilhando e se sedimentando, e assim vão ficando também mais evidentes e consistentes. O desequilíbrio, que vinha da ideia de mar e de experiências coreográficas anteriores – tal qual a coreografia Mar dito mar, de Ana Mondini – é atualizado para instabilidade, pois assim diz mais sobre as inconstâncias da vida e das memórias que Claudia, Armando e Ana buscam recompor de uma nova maneira. Instabilidade de três corpos embriagados de memórias.

20 de abril

Dançar a travessia com instabilidade em um espaço labiríntico. O círculo, que já é parte indissolúvel do trabalho, se torna efetivamente um labirinto, traçado com fileiras de cadeiras em semicírculos. Claudia e Armando dançam entre as cadeiras, que trazem o público para mais perto desse ritual dançado.

Ao mesmo tempo que aproxima o público, o labirinto impõe suas dificuldades: funciona para assistir a dança em níveis altos e médios, mas é difícil garantir que todos vejam o que será feito no nível do chão. Porém essa é uma questão que diz respeito ao futuro desse trabalho, pois por enquanto as cadeiras labirínticas cumprem sua função de traçar o caminho a ser atravessado. O labirinto, associado aos primeiros olhares de Ana Mondini, colaboram para que Claudia e Armando se vejam mais e por inteiro nesse trabalho.

Além de traçar o chão, o gesto passa também a traçar palavras. Um trecho do livro Escute as feras é escolhido para ser mais um dos caminhos a serem percorridos, tanto em forma de corpo quanto em forma de voz.

“Admito que existe mesmo um sentido no mundo em que vivemos. Um ritmo. Uma orientação. De leste a oeste. Do inverno à primavera. Do amanhecer ao anoitecer. Da nascente ao mar. Do útero à luz.
O rio desce para o mar, mas os salmões tornam a subi-lo para morrer. A vida se desenvolve do lado de fora do ventre, mas os ursos vão novamente pra debaixo da terra, para sonhar.
Existe algo invisível que instiga nossa vida rumo ao inesperado.”

Escute as Feras, Natassja Martin, p. 87-88

27 de abril

Os estímulos sonoros começam a se tornar mais necessários ao corpo. Embora o silêncio seja precioso em vários momentos dessa dança, ele exige do público um envolvimento que pode ser pesado demais. É possível facilitar esse envolvimento por meio do som.

Dentre as possibilidades já pensadas e testadas está o violoncelo solo de Erica Navarro, que tem bastante expressividade porém carece de uma base de acompanhamento que dê liga à sua melodia pura. O movimento em fluxo contínuo sustentado por Claudia e Armando requer uma sonoridade que também seja contínua, preenchedora do tempo e do espaço. Nesse sentido, as músicas utilizadas na companhia de dança butô Sankai Juku são a principal inspiração do momento, devido ao seu caráter contínuo, atemporal e ritualístico.

Do lado de fora da sala de ensaio, festa na praça. Num acaso que lembra John Cage, esse som de festa que adentra o espaço é logo ressignificado para a coreografia: deixa de ser um ruído incômodo para se tornar um símbolo da própria celebração do trio e uma referência às memórias que vem de longe. É uma vivência que acaba por servir de inspiração para criar a sonoridade que está por vir.


Em breve: próxima página… →

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